quarta-feira, maio 12

Entrevistas sobre Supervisão, John Walton (atualizado)

Por André Rossi e Edimárcio Medeiros

Em continuidade a nossas entrevistas recebemos a contribuição de John Walton, Psicanalista, Acompanhante Terapêutico, Mediador Escolar. John foi Graduado em Psicologia pela UFF.Com um trajeto sólido em saúde mental conta com uma experiência de Ex-residente de saúde mental pela FMS-Niterói e é especialista em Psicanálise e Saúde Mental pela UFF/FMS-Niterói. Agradecemos a sua participação.E é claro, vocês podem contribuir e tirar suas dúvidas, sempre, inserindo seus comentários. Contatos com o entrevistado? Deixe aí o seu recado.

Questionário Café com Clínica

1-Fale um pouco de sua experiência de supervisor ou supervisionando em clínica.
Como André sabe, por eu ter tido algumas oportunidades de compartilhar minhas idéias sobre supervisão em clínica com ele e com Luis Felipe, tenho uma longa e diversificada experiência como supervisionando. Já minha experiência como supervisor é circunstancial, recente, e até agora só partilhada com os que eram meus pares mais próximos nessa empreitada. Tais atividades ocorreram durante a graduação no curso de Psicologia da UFF, a residência em saúde mental na rede pública de Niterói e um acompanhamento terapêutico que fiz.
Começarei pela prática de supervisionando. Do início de 2003 ao início de 2005, tive supervisões clínicas no estágio extracurricular que fiz em Psicologia Geral na AFR. Entre agosto de 2005 e setembro de 2007, tive supervisões clínicas em saúde mental no estágio curricular de Psicanálise E Saúde Mental que fiz enquanto acadêmico da UFF, sendo que, entre agosto de 2005 e julho de 2006, foram supervisões da minha prática no ambulatório de saúde mental da Policlínica Comunitária Sérgio Arouca, Santa Rosa, e, entre agosto de 2006 e setembro de 2007, foram supervisões da minha prática na enfermaria de longa permanência do HPJ. De março de 2008 a fevereiro de 2010, as supervisões foram da minha prática clínica como residente de saúde mental. Na última semana de abril e na primeira de maio deste ano, tive supervisões individuais com uma psicanalista da Práxis Lacaniana para um caso de acompanhamento terapêutico que eu vinha realizando na qualidade de mediador escolar.
Os estagiários e residentes de saúde mental da rede pública de Niterói são submetidos a dois tipos de supervisão: a supervisão local, que contempla os casos atendidos e a prática institucional (“situações concretas de trabalho”) nos dispositivos em que o estágio acontece e é realizado por um preceptor-supervisor desses dispositivos; a supervisão geral, que trabalha apenas os casos clínicos levados por estagiários e residente e é realizada por supervisores não pertencentes ao contexto imediato dos dispositivos em que o estágio acontece.
Todos os supervisores por que passei em minha formação clínico-institucional são orientados pela psicanálise e todas as supervisões, exceto a última, que foi individual, foram em dupla ou em grupo. Porém, cada instituição, cada supervisão e cada estilo do supervisor por que passei é tão diferente um do outro que eu penso que só posso afirmar que passei por lugares com orientação psicanalítica porque tenho definido para mim o seu sentido. Que fui construindo ao longo desse percurso, que também foi de pesquisa, em transferência com alguns desses supervisores e preceptores.
Mas há uma característica que descobri em diálogos com André e Luis Felipe ser importante e comum entre essas supervisões e que parece diferenciá-las de outros tipos de supervisão. É a da existência do que André e Luis Felipe chamam de “centro”, que detém o que eles chamam pelo ótimo termo “função de supervisão”. Ou seja, todas essas supervisões foram estruturadas da tal forma que houve uma classe de pessoas que só podiam ocupar o lugar de supervisor e se responsabilizaram pela função de supervisão e por uma classe de pessoas que apenas recebiam supervisão, duas classes que se engajaram na relação de supervisão. Isso, a princípio, como relatarei.
Quanto às diferenças entre essas supervisões, atribuo-as às diferenças de estilo dos supervisores e de tipos e objetivos de instituições e dispositivos de cuidados em que se encontram. Na época em que passei pela AFR, a instituição era composta por uma equipe multiprofissional que tinha por objetivo principal a reabilitação e as práticas eram muito bem demarcadas, sendo que a prática do psicólogo era marcadamente ambulatorial. Mas a supervisão curiosamente não era totalmente dominada pelas questões da perda subjetiva referentes ao corpo “orgânico”. Cheguei a acompanhar uma criança diagnosticada com “TDAH” e isso não era raro entre meus colegas. A clientela era composta por pacientes com comprometimento “orgânico” de graus variados e subjetivo de graus “leves e “moderados”. Esse contexto permitia que a supervisão fosse oferecida por uma psicanalista que valorizava principalmente o afinamento da escuta e das intervenções clínicas no plano da linguagem e a relação clínica que se estabelecia no atendimento. Por uma característica da supervisora, mas também por causa do tipo implicação do grupo em que eu estava, a função de supervisão podia circular um pouco entre nós supervisionandos, isto é, todos nós podíamos nos autorizar tanto quanto possível com contribuições que acabavam por ajudar na escuta de quem levava o caso, enquanto a psicanalista zelava por essa “função de supervisão”. Essa foi minha introdução na prática e na leitura clínicas. Foi um momento da minha formação clínico-institucional pelo qual tenho muito carinho e de onde retirei alguns parâmetros do que considero ser supervisão.
Naturalmente, senti muita diferença em todas as outras supervisões (exceto a última), as da minha prática clínico-institucional em saúde mental. Nesse campo, há diferentes dispositivos de cuidado que priorizam mais ou menos certa modalidade de acompanhamento. Sua clientela possui graves e diversificados transtornos psiquiátricos. Os estilos dos supervisores, os objetivos das instituições e a forma como as equipes multidisciplinares se relacionam com o trabalho são outros. Além disso, dispõe-se numa rede institucional. Os objetivos principais gerais são a reinserção dos pacientes no laço social, a manutenção e aumento dos seus vínculos sociais e sua proteção das situações mais aflitivas da vida. As fronteiras da prática profissional, exceto talvez da equipe de enfermagem são borradas. Talvez porque não só os psicólogos, mas os dispositivos e as instituições são governadas por pessoas orientadas pela psicanálise Tudo isso muda muito as exigências colocadas pela clínica, no caso, a chamada “clínica pública” ou “clínica ampliada”, qualitativa e quantitativamente (no sentido de um aumento) e endereçadas as supervisões. Que por sua vez é determinada por tudo isso e também pelo fato de os supervisores serem professores universitários e chefes de serviço (a psicanalista da AFR a que me refiro também era, mas esse traço não era tão importante em seu estilo de supervisionar).
Encontrei em saúde mental supervisões mais centralizadoras na figura do supervisor que considero mais técnicas, objetivas e resolutivas, que me ensinaram a produzir relatos clínicos mais precisos que incluíssem considerações estranhas para mim na época da AFR, como de diagnóstico, de medicamentos e de leitura psiquiátricos (dos médicos que já viram o caso e/ou que acompanhavam os pacientes comigo), da história patológica pregressa, das relações institucionais e sociais do paciente e que já encaminhassem para estratégias coletivas de tratamento e intervenção características de saúde mental. Foi uma etapa de muito aprendizado, de afinamento da minha capacidade de distinguir, na escuta e com auxílio cada vez maior do olhar, elementos indicativos do diagnóstico e estrutura subjetiva dos pacientes para trabalhar pelo tratamento de pacientes de forma coletiva.
Como escrevi acima, tive a oportunidade de participar da equipe de supervisão das supervisoras de saúde mental dos PMF´s da região oceânica. Trata-se de um projeto que, até onde participei, estava em construção no ambulatório de saúde mental de referência dessa região que foi retomado quando comecei minha passagem por lá como residente. Consiste numa equipe do ambulatório composta por psicólogo (s) e psiquiatra (s) com potencial de ser volante e percorrer os Postos e realizar interconsultas. O objetivo foi oferecer essa supervisão para as supervisoras potencializarem o cuidado com o sofrimento psíquico na atenção básica, deixando à atenção especializada os transtornos que exigissem o cuidado mais especializado. A idéia era boa, mas foi um trabalho que esbarrou em impasses. O principal deles pode ser resumido pelo termo acima “supervisionar as supervisoras”. Faltou combinar a jogada com o outro time, no caso, o das supervisoras. Elas não nos autorizavam dessa forma. Já eram as supervisoras. Exigiram uma relação mais horizontal, queriam mais era uma ajuda, muitas vezes uma escuta a mais para pensarem o caso junto conosco. Aceitavam nossas indicações com a condição de participarmos mais diretamente do cuidado.

2-Você acredita que existe algum diferencial no trabalho de supervisão em grupo?
Em relação à supervisão individual sim, acredito, tanto como supervisionando quanto como supervisor (quando se oferece supervisão em conjunto com outra pessoa): o diferencial é o compartilhamento da experiência de escuta com mais de uma pessoa. Ele pode se desdobrar num prazer (como os que sentem prazer em se expor a um certo número de pessoas), em várias escutas auxiliares de um mesmo caso ou situação que potencializem a escuta da cada clínico que leva o caso para a supervisão, em identificações, contágios, disputas, rivalidades. Certamente, a supervisão em grupo é um instrumento para potencializar a clínica. Mas como todas as coisas criadas para o bem podem servir a fins maléficos, a supervisão em grupo pode, como também a supervisão individual, servir à resistência do analista.

3-O que você entende por uma supervisão clínico-institucional? Você já teve alguma experiência e poderia falar dela?
Existe a modalidade de supervisão clínico-institucional, que é formalmente oferecida a equipes multiprofissionais, como algumas das que participei em saúde mental. Seu objetivo é assegurar a direção clínica do trabalho institucional.
Porém, as supervisões de casos clínicos acompanhados em instituições acabam trabalhando com a escuta e com o manejo dos fatores institucionais que os constituem e que neles interferem permanentemente. Portanto, também são clínico-institucionais.

4- Gostaria de falar mais alguma coisa ou sugerir alguma questão para as pessoas que trabalham com supervisão?
Não. Quero agradecer ao convite e à oportunidade dessa entrevista. Adorei o design da página de vocês. Nada mais apropriado para acompanhar uma boa conversa sobre a clínica do que um bom café quentinho.




Depois da sobremesa discutimos alguns detalhes desta postagem e avaliamos como seria legal...após uma das xícaras de café de nosso(s) leitor(es) participante(s) ter(em) para ele(s) um retorno de seu(s) comentário(s) no blog.Pensamos, então, que nosso convidado pode sempre complementar alguma ideia, corrigir alguma coisinha ou, com foi o caso, oferecer uma devolução para questões levantadas nos comentários etc.Fica então aqui esse nosso acordo: nessas situações, atualizaremos o post, e como aconteceu aqui, fazemos o(s)...

Destaque(s) do Entrevistado
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AFR significa Associação Fluminense de Reabilitação. HPJ, Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. PMF, Posto Médico de Família. Mas agora é difícil me decidir qual o próximo ponto a abordar. Mas vamos lá.
A AFR tem por objetivo principal, pelo menos na época em que passei por lá, a reabilitação de sua clientela, mas reabilitação tal como entendida na clínica médica. Embora o serviço de Psicologia Geral fosse chefiado por uma psicanalista. E pelo que sei ela está lá até hoje.
Os dispositivos de saúde mental, que se inserem na proposta de reforma psiquiátrica, visam, por sua vez, ao tratamento de clientela com graves transtornos psiquiátricos e com intenso sofrimento subjetivo e que, devido a isso, tenham muita dificuldade em se manter nos seus laços sociais. Esses dispositivos visam fazer os sujeitos permanecerem nos laços sociais e até oferecem a eles proteção em relação coisas sérias de suas vidas.
Diferem entre si do ponto de vista de seu papel institucional nesse campo. Diferem em sua relação com o hospital psiquiátrico, no nível de atenção e complexidade e no tipo de clientela para os quais estão equipados. Há os serviços hospitalares do HPJ – a emergência, as enfermarias de agudos de adultos e infanto-juvenil, e as enfermarias de crônicos, todos de alta complexidade de atenção intensiva. Há os serviços extra-hospitalares ou substitutivos – os centros de atenção psicossociais de adultos e infanto-juvenil (CAPS e CAPSi), as Oficinas Integradas e os ambulatórios. Os CAPS e as Oficinas Integradas são dispositivos de alta complexidade e atenção intensiva ou semi-intensiva e trabalham com uma clientela grave. Os ambulatórios têm uma complexidade e um nível de atenção mais baixos, e atendem uma clientela de transtorno moderado ou grave. Estou falando isso de um modo esquemático. Às vezes os pacientes crônicos agudizam, os ambulatórios conseguem acompanhar pacientes que demandam um CAPS, etc...
Existe todos esses dispositivos e uma certa centralidade ocupada pelo HPJ em relação à rede. Lá estão sediados a Coordenação e Saúde Mental (CSM) e o Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP). As supervisões gerais são lá. Alguns supervisores institucionais a eles estão vinculados. E as políticas públicas da SM de Niterói têm uma direção única da qual esses dispositivos todos, em suas especificidades, compartilham. Essa direção é uma direção clínica orientada pela psicanálise. E claro, há uma hierarquia aí.
Por outro lado, esses dispositivos não se arrumam em relações deste tipo. Diferem-se apenas quanto ao seu papel, tem entre si uma série de discordâncias, mas em sua maior parte são inerentes a uma mesma clínica e não políticas. Até as discordâncias políticas que presenciei pertencem ao mesmo campo clínico.
Entretanto, no interior de cada dispositivo, há a hierarquia, o chefe, o staff, e o pessoal do ensino (residentes e estagiários), os faxineiros e os porteiros. E a mesma direção clínica para o trabalho de todos. Isso é tão importante que, na época em que eu passava pelo CAPS do centro, a chefe de serviço mantinha reuniões regulares com os funcionários do apoio para que se situassem em relação aos pacientes de acordo com o que se sabia da clínica deles e, com isso, se também se acabava tendo acesso a novos materiais.
Vê-se com isso que as diferentes complexidades existem desde dentro do campo da saúde mental.
E há a atenção básica, que é o campo de atuação dos PMF´s, que tem essa diferença de complexidade não só com a saúde mental, mas também com o campo mais da clinica médica. Ela também trabalha com uma equipe multiprofissional, só que mais reduzida: possui médico, técnico de enfermagem e acho que também dentista.
Não me sinto apto a dizer por que as fronteiras profissionais eram tão demarcadas.
Na SM, contam para a porosidade das fronteiras profissional, em primeiro lugar, o fato de que a clientela da saúde mental exige uma atenção multiprofissional dessa forma. Os sujeitos dissimulam; são confusos em suas demandas; podem ter uma relação com o serviço que se sustenta quase completamente em demandas; a forma como estabelecem a transferência é de uma forma bastante imprevisível, muitas vezes difusa, muitas vezes com um sentimento de ódio muito intenso; muitos se expressam melhor pelo trabalho laborativo do que pela fala, ou melhor pela música, ou pela atividade lúdica; podem ter uma relação delirante com a medicação e com o dispositivo; e não terem hora para aparecer em crise. Vários outros não saem de casa. Um só sujeito pode precisar do cuidado de muita gente. E nunca se sabe quando ela poderá dizer alguma fala importante para a própria clínica. E sempre bom ter alguém próximo a ouvir, a conversar, e ter uma noção de hierarquia que auxilie no sujeito a endereçar suas questões àqueles com quem tiver uma transferência favorável. E isso é mais intenso quanto mais grave é o paciente e mais complexo o cuidado oferecido.
Em segundo lugar, o fato de que a psicanálise ensina que só pode haver clínica com transferência, e ela se dá na saúde mental com todas dificuldades e precariedades acima mencionadas.
Em terceiro lugar, o fato de os técnicos terem uma mesma direção clínica, trabalharem na mesma clínica, que pode ser chamada de clínica do sujeito, em que todos os profissionais estão convocados, dentro de suas possibilidades profissionais, a intervir com a escuta, com atividades terapêuticas, com orientações sobre benefícios assistenciais, ações importantes nessa clínica. Certamente, há ações exclusivamente médicas, como a prescrição medicamentosa e de contenção mecânica; os técnicos de enfermagem é que entendem de dar injeção da prática do asseio nos pacientes, e dificilmente realizam atendimentos no consultório; os assistentes sociais são os mais entendidos das relações com do indivíduo com o Estado e etc... E a profissão médica aceita com mais dificuldade que as demais se misturar com as demais. Mas na hora de se pensar os casos de pacientes, de se pensar em estratégias, intervenções, isso se faz em grupo, em equipe. Com ajuda do trabalho do supervisor institucional.
Quanto às supervisões, André, você perguntou sobre a especificidade de supervisão geral e sobre se a não pactuação das supervisoras do PMF com o tipo de supervisão que minha equipe queria oferecer (pois foi isso mesmo, você entendeu bem) tinha uma conotação política.
Em primeiro lugar, tenho que dizer que a denominação “supervisão clínico-institucional” é nossa. Na saúde mental ela equivale à supervisão institucional que é oferecida por um supervisor às equipes multiprofissionais. Como a Isabela Coutinho fazia no Pedra bonita, por exemplo. Mas considero, também como Isabela, que toda supervisão de casos acompanhados em instituições são clínico-institucionais, embora possam não ter esse nome. As supervisões locais que eu tive eram mais assim, como você percebeu.
Já a supervisão geral até se ocupava dos aspectos institucionais, mas visava muito mais ao caso clínico. Como residente, tive essas supervisões com meu grupo de colegas semanalmente, no HPJ. A cada semana um caso era discutido. E a supervisão se debruçava sobre as questões clínicas que nós levávamos, todos os elementos que pudéssemos levar para apreciação, a partir de nossa escuta. Essas supervisões nos auxiliavam a construir os casos clínicos.
Por fim, a pergunta sobre a supervisão do PMF. Se há uma questão política entre a atenção básica e nossa atenção especializada da forma como você perguntou, nunca apareceu nas supervisões. A questão foi essa que eu mencionei. Mas imagine só. Elas não nos autorizavam como supervisores da forma como queríamos oferecer esse serviço, pelo menos não com a rapidez que desejávamos. Demandaram a supervisão como o “apoio” que você mencionou, o que eu acho bom também, fizemos muito disso, mas desde que não descaracterize o trabalho.

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